É comum associar estratégia a projeção, ambição e vantagem competitiva. Mas quem vive a estratégia real, no cotidiano de decisões difíceis, sabe: estratégia é antes de tudo um exercício de perda. Mais do que mover peças, é abrir mão de possibilidades. Mais do que apontar para o futuro, é assumir — com clareza e disciplina — o que precisa morrer agora.
Porque escolher um caminho é, inevitavelmente, matar outros. É por isso que estratégia dói.
Estratégia é, no fim, um luto bem conduzido. É abrir mão com método. É matar o que ainda funciona — mas não leva mais aonde queremos chegar. É frustrar expectativas de curto prazo em nome de uma coerência maior.
E é por isso que tantas empresas se especializaram em crescer sem escolher. Elas expandem o portfólio. Acumulam prioridades. Seguem agradando a todos — até que o peso da ambiguidade implode a cultura.
Estratégia de verdade exige decisão deliberada e renúncia sustentada. É isso que separa as empresas que se transformam das que se repetem.
No mundo corporativo, a dor estratégica raramente está no diagnóstico. Está na escolha. E mais profundamente: na sustentação política e emocional dessa escolha diante de um sistema que naturalmente resiste.
A maioria das organizações não erra por ignorância. Erra por evitação. Evita contrariar. Evita renunciar. Evita bancar o desconforto de desagradar quem estava apostando no caminho anterior.
Richard Rumelt, em Good Strategy Bad Strategy, é direto:
“Uma boa estratégia identifica o que é essencial — e elimina o resto. Mas o ato de eliminar é doloroso. E, por isso, frequentemente evitado.”
Essa é a raiz da maior parte das "estratégias ruins": planos que acumulam tudo e priorizam nada.
Se a sua estratégia não está doendo, não deve ser estratégia.
Estratégia é escolha. E toda escolha, por definição, é um recorte — e todo recorte é uma exclusão.
A estratégia verdadeira não é um somatório de possibilidades.
Ela é um sistema de coerência, que exige concentrar esforços no que mais importa — e abandonar o que não encaixa mais.
Por isso:
Estratégia é escolha.
Escolha é renúncia.
Renúncia é dor.
Não dói porque está errado. Dói porque é real.
Porque confronta o ego, a vaidade, a história que já nos trouxe até aqui — mas que não serve mais para o que vem depois.
Estratégia não dói no planejamento. Dói na sustentação da decisão.
Dói quando você precisa bancar um “não” com convicção, mesmo diante de uma sala cheia de pessoas apegadas ao plano anterior.
Dói quando você precisa frustrar expectativas legítimas — para não comprometer o todo.
Dói porque envolve desapontar para poder avançar.
É fácil fazer estratégia com flipchart e post-it.
Difícil é sustentá-la quando ela implica cortar. Redirecionar. Reposicionar.
Difícil é dizer “não vamos mais atender esse cliente”, “não vamos mais investir nesse produto”, “essa aposta foi errada”.
Difícil é abraçar o desconforto — com disciplina e propósito.
E ainda assim, é essa dor que cria maturidade estratégica.
Porque, como Rumelt escreveu:
“A essência da estratégia está em focar o esforço e negar as distrações. Negar é sempre desconfortável. Mas sem isso, o que chamamos de estratégia é apenas um desejo.”
As dores reais da estratégia bem feita
Uma boa escolha estratégica fere pelo menos uma zona de conforto institucional. E a dor que ela provoca pode ser dividida em dois grupos:
• Dor Racional:
Perda de velocidade: escolher um foco exige abrir mão de crescimento aparente.
Assumir Risco: decisões estratégicas são feitas com 60–70% de informação — o resto é risco calculado.
Redução de tamanho: implica cortar linhas de negócio, clientes, canais, geografias — muitas vezes com impacto financeiro imediato.
• Dor Emocional:
Apego simbólico: abandonar uma marca, uma cultura ou uma linha histórica da empresa.
Desalinhamento interno: nem todos vão entender ou aceitar de imediato.
Isolamento: líderes que bancam decisões impopulares vivem períodos de baixa popularidade até que os resultados apareçam.
O mais perigoso é que essas dores não aparecem no PowerPoint. Elas emergem nas reuniões tensas, nos silêncios incômodos, na hesitação de executar. E por isso mesmo, tantas decisões são adiadas ou empurradas para comitês — onde ninguém precisa responder individualmente.
Exemplos de estratégia que doeu — e funcionou
🧩 Spotify: Em 2015, reorganizou toda a empresa em "squads" autônomos, mesmo sem certeza se o modelo escalaria. O resultado foi uma das culturas de engenharia mais admiradas do mundo.
📱 Facebook (Meta): Em 2012, Zuckerberg apostou tudo no mobile-first, mesmo sendo doloroso reescrever quase toda a lógica do produto. A virada foi essencial para manter relevância — e hoje o mobile responde por mais de 98% da receita publicitária.
🏬 Best Buy: Em 2012, decidiu competir com a Amazon não no preço, mas no serviço. Cortou agressivamente áreas e dobrou o investimento em atendimento e instalação. Muitos previram o colapso. Dez anos depois, ainda é líder de varejo eletrônico nos EUA.
🧪 Pfizer: Durante o desenvolvimento da vacina da COVID-19, recusou bilhões de dólares em ajuda governamental dos EUA para manter autonomia e acelerar decisões. Essa independência estratégica foi arriscada — mas garantiu agilidade sem burocracia e entregou a vacina mais rapidamente.
Cada uma dessas escolhas envolveu luto operacional, conflito político e incerteza tática. Mas foram essas dores que abriram caminho para crescimento sustentável, vantagem competitiva e, em alguns casos, sobrevivência.
E como escrevi em Organizações Infinitas:
“Só vive pra sempre quem morre o tempo todo.”
Porque é morrendo ideias antigas que nascem direções novas.
E é só no desconforto da escolha que a estratégia deixa de ser discurso…
…e vira coragem.
Nunca é um bom dia para mudar.
Por isso mesmo, hoje é sempre o melhor dia para começar.
E se este texto fez sentido para você, dá uma olhada nestes aqui:
A Miopia do "Básico bem Feito"
Se você trabalha como executivo em algum empresa, tenho convicção de que você já passou por contextos de negócio bastante desafiadores, cheios de incerteza e mudanças. Momentos onde o mar está tão mexido que vontade real é se enfiar num buraco e esperar a turbulência passar.
A Zona de Desconforto
Esse lance de “saia da zona de conforto” é mais uma daquelas frases motivacionais vazias que a gente repete sem pensar. Se alguém cobrasse royalties dessa frase ia ficar rico.
Tem uma outra frase que acho legal: estratégia não é o que você diz que faz, ou o que está no seu powerpoint. É o que você de fato faz no dia a dia. Se você diz que sua estratégia pessoal é se manter em forma, mas não faz nada para isso, não é estratégia, é desejo. O mesmo vale para as empresas.