A Miopia do "Básico bem Feito"
...e porque isso não significa repetir o que dava certo?
Se você trabalha como executivo em uma empresa, é quase certo que já enfrentou contextos de negócio turbulentos — ciclos de incerteza, pressão por resultado, revisões estratégicas intermináveis e o cansaço invisível de lidar com a velocidade das mudanças.
Momentos em que o mar está tão mexido que a vontade real é se enfiar num buraco e esperar a tormenta passar.
É exatamente nesses momentos que surge uma espécie de reflexo automático na liderança sênior:
“Pessoal, não vamos inventar moda… vamos focar no básico bem feito.”
Essa frase parece segura. Parece prudente. Parece madura.
Mas, muitas vezes, é apenas a formalização elegante de uma desistência.
Um disfarce narrativo para o medo. Um antídoto mal formulado contra a complexidade crescente.
A ilusão de que repetir o passado protege do futuro
Existe, em quase toda organização, um lugar seguro e silencioso chamado “passado que já deu certo”.
Um abrigo emocional e institucional que diz:
“Se já funcionou uma vez, basta repetir até que o mundo melhore.”
Ou pior:
“Se achamos uma fórmula de crescimento, vamos explorá-la até o fim.”
Esse pensamento tem nome: miopia estratégica.
É a crença de que existe um “core imutável” que pode ser defendido indefinidamente — quando, na verdade, o contexto à sua volta muda a cada trimestre.
E o que quase ninguém percebe é o seguinte:
O que é considerado ‘básico’ e o que é considerado ‘bem feito’ muda o tempo todo.
O conceito de “básico” em 2020 não é o mesmo em 2025 — e será radicalmente diferente em 2027.
O que era diferencial ontem é requisito mínimo hoje.
E o que é excelência hoje, amanhã será irrelevante.
O erro fundamental: achar que “básico bem feito” é estabilidade
Vamos a um exercício simples:
O que era “básico” na sua empresa há cinco anos ainda é suficiente hoje?
A maneira como se entregava “bem feito” em 2019 ainda satisfaz os clientes de 2024?
E o que será esse “básico” em 2027, num mundo cada vez mais integrado por IA, interfaces invisíveis, novos canais e novos hábitos?
A verdade estratégica mais negligenciada é esta:
Perseguir o “básico bem feito” é, na prática, perseguir mudança constante.
Porque o básico é móvel. E o bem feito é subjetivo.
O básico de hoje nasceu da ruptura de ontem.
O bem feito de hoje depende de um cliente que muda de expectativa a cada clique.
Quem define o que é básico e o que é bem feito?
Essa pergunta deveria estar em todo board, comitê e planejamento.
E a resposta é direta:
“Básico” é definido pelo mercado.
“Bem feito” é definido pelo cliente.
O mercado é vivo — composto por concorrentes que se reorganizam o tempo inteiro.
Repactuam seus ativos. Reconfiguram seus canais.
Dominam novas tecnologias e cortam ineficiências.
Eles não param — e estão constantemente redefinindo o que é o novo normal.
O cliente, por sua vez, está mais exigente, mais impaciente e mais infiel do que nunca.
Comparar virou hábito.
Experimentar virou esporte.
Abandonar uma marca virou ato cotidiano.
Ele não volta atrás.
Seu paladar não regride.
Sua régua não abaixa.
O seu “básico bem feito” pode estar virando um “meia boca sofisticado”
Pense em um restaurante tradicional que repete o mesmo cardápio há 20 anos.
Ele pode até dominar seu prato principal.
Mas, à medida que novos restaurantes surgem, novas técnicas se espalham, e o paladar do público evolui, aquilo que era “excelente” vira “ok”, e o que era “ok” vira “medíocre”.
No mundo dos negócios, é igual.
O que você chama de "básico bem feito" pode ser, aos olhos do cliente e do mercado, apenas algo antiquado bem executado.
Básico não é ponto de chegada. É ponto de partida.
Portanto, não use o “básico bem feito” como desculpa para inércia.
Use como trampolim para reinvenção.
Fazer o básico bem feito só é virtuoso quando o básico foi atualizado.
Executar com excelência só importa se o que você executa ainda for relevante.
Nunca é um bom dia para mudar.
Por isso mesmo, hoje é sempre o melhor dia para começar.
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A Zona de Desconforto
Esse lance de “saia da zona de conforto” é mais uma daquelas frases motivacionais vazias que a gente repete sem pensar. Se alguém cobrasse royalties dessa frase ia ficar rico.